O facto da voz em outra língua funcionar é interessante. Porque levanta a questão da relevância do conteúdo da letra, que ganha tantas vezes protagonismo escusado, para o bem ou para o mal. Com o timbre, métrica, ataque certos, com boa escolha de tempos fortes/sílabas tónicas, o que se diz passa facilmente para um plano muito lá ao fundo. Todos ganhamos se o que está a ser dito for interessante, mas na verdade um bebapaloola vale mil vezes um É Mentira (brr).
Não sei o que dizem os Ukrainians quando cantam o Big Mouth mas o que interessa é que facilmente se imagina o Morrissey como convidado em palco e não sei se ele precisa de saber o que está a cantar para o tema ter a intensidade do original. Com os Priessnitz, que agora apresenta o Daniel do B-Site, igual. E pela mesma razão o Reininho é mesmo a escolha certa, e de tal modo o acho que aposto que concorda com este post todo (alguém se lembra dos Pós-Modernos no Psicopátria?).
Há mais exercícios que fazem da letra (não da voz) mais instrumento que mensagem. As traduções do Seu Jorge dos temas de Bowie não pegam no sentido mas na fonética e com isso a versão ganha mais valor, de longe, do que uma divertida mas talvez desinteressante tradução literal (há muito que os Catita andam nestes terrenos da tradução fonética). E a Construção de Chico Buarque, tão pleno de conteúdo, mas com a teimosia suprema de só utilizar esdrúxulas no fim de cada verso. Foi isto, e a possibilidade que assim se abriu de baralhar e voltar a dar as palavras, que fez a canção tão memorável, e não tanto a história do desgraçado que atrapalha o tráfego.
1 comentário:
Recomendo uma viagem pela "Causa das Coisas" do Esteves Cardoso, mais precisamente na crónica em que ele faz uma tradução fonética da tradução finlandesa dos "Novos Contos da Montanha" > "o Furd Laingje far fjellet" > "Uma Língua forte para Filetes".
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