Em tempos, o comboio azul iniciou aqui uma rubrica sobre os piores momentos da tradução de títulos de filmes em Portugal. "Caché" de Michael Haneke acaba de ser nomeado com uma verdadeira retroversão para "Nada a esconder". Parabéns, caro sr. tradutor Chis P. Têhó! Convoco os demais escribas pitaunisos (um dia este blog será para Portugal o que Delfos foi para a Grécia...) a memorizarem (escapou-me!) o nome e o email do senhor que aparecem nos créditos finais de forma a lhe lincharmos o canastro pela Internet. Deve ser primo do João Carlos Espada, concerteza!
De resto, o filme é excelente! Bom. Mesmo bom. Tenso. Haneke filma como quem espia um animal ferido, agonizante, sem lhe tocar. Frio. E edita como quem coloca cautelosamente soda cáustica num ralo entupido de podridões humanas. E ri. Cínico. Gosta de pregar partidas ao espectador com a mestria de nos conseguir ludibriar sempre. Algúem que aponta para o céu e diz "olha, uma vaca a voar" e tu olhas todas as vezes. Every fucking time!
Daniel Auteil é um adulto de sucesso que vai, ao longo dos mais de 120 minutos, revelando a criancinha parva que nunca deixou de ser. Juliette Binoche, nada atraente e até gorducha, maravilha-nos ainda assim. Os contornos dúbios da intimidade e dos limites da confiança e cumplicidade marital estão ali tão bem espelhados no seu rosto de mãe, chefe de familia, esposa decepcionada.
Bonus: para quem, há um mês, viu nos telejornais carros a arder por toda a França e não percebeu nada, aqui tem uma excelente
(p)revisão da matéria dada. O filme saiu por lá antes da revolta magrebina et alia. Ainda que, no final do filme (inconclusivo como lhe convém), a sua cabecinha continue sem compreender o ódio, o seu estômago terá certamente sentido la haine.
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