A uma é que estou revoltado com o uso e abuso da invocação das liberdades e conquistas de Abril para desacreditar o combate à corrupção que passa impune em todos os níveis da sociedade portuguesa e não só no nível político, como alguns insistem - porque será? - em fazer-nos crer.
A outra é a duplamente lamentável teimosia do Ministro José Viera da Silva em continuar a defender o mérito indefensável da brilhante campanha de outdoors das novas oportunidades. Eu fiquei sinceramente parvo com aquilo. É insultando as pessoas e o seu trabalho que eles querem incentivá-las?!... "Seus falhados!" - dizem-nos aqueles cartazes. A nós. Todos. Que não aparecemos na televisão e não somos famosos e não seja lá o que for que faz o Abrunhoso e a Gambrina casos de sucesso. Pensava, a sério, que este darwinismo social já tinha passado à história. E vem-nos isto de novo? E à portuguesa, ainda por cima! Em vez dum belo dum super-homem nitzscheniano temos o farfalhudo bigode matarruano do Queiroz. Uns bigodes dum raio dum subalterno dum escocês bêbedo... Acho que o cartaz do PNR ainda conseguiu ser menos irritante. É só estúpido, pronto. Não é estúpido e covarde e pretensamente bonitinho e, vendo bem, uma merda horrível de tão feia. Mais que tudo: não saiu do meu bolso. Do nosso bolso. Nós, essa cambada de falhados.
Bom, mas para bater no governo, esse cabeça dura, não faltam para aí ceguinhos e clarividentes quanto baste. Voltemos à uma. A do cravo. As atitudes dos sindicatos já me andavam revolver as tripas. Mas daquele sujeito Picanço já se sabe que só vem ferroada à mistura com vitimização do funcionário público, esse virtuoso coitadinho. O nó nos intestinos apertou-se com o Carvalho da Silva e depois a caganeira chegou total quando li o Baptista Bastos no Diário de Notícias esta terça-feira a confundir tudo: delação política com denúncia criminal, combate anti-fascista com corrupção activa, inquéritos administrativos com a tortura da PIDE. Caramba! Grande confusão que vai naquela cabeça. Só mesmo o Marcelino para o convidar para colunista. Ou será que não está assim tão inocentemente equivocado?...
Porque será que tantos tremem e esperneiam ao ouvir falar de acções integradas contra a corrupção? De iniciativas contra os brandos costumes que impedem a denúncia do colega da Conservatória que mete 100€ ao bolso para acelerar aquele registo e não o outro? De medidas para acabar de vez com o "não vou dizer nada porque é chato e o gajo até é porreiro e tal"? De deixarmos de uma vez por todas de simplesmente nos queixarmos de que são todos uns salafrários e é só cunhas e fazermos de facto algo sobre o assunto? No nosso escritório, por exemplo? Quiçá na nossa repartição de finanças? Talvez mesmo-na nossa secção de alvarás camarários para estabelecimentos de diversão nocturna? Ou até, suprema blasfémia!, na minha célula sindical?...
Já pensaram há quanto tempo estão os principais líderes sindicais nos seus poleiros?
Não ficam muito atrás do Pinto da Costa ou do Jardim, pois não. Também já são quase do tempo da velha senhora e do ZX Spectrum, não é? Pois é. A Fenprof, por exemplo, está há mais tempo nas rédeas da(s) política(s) de educação deste país do qualquer ministro ou ministra. Mas ninguém os cala. Eles é só virtudes. Que ninguém lhes bote defeito! Contudo, vejam o caso da UGT há uns anos. Quem sabe quantas outras mãos pseudo-operárias se besuntarão sob o manto dos brandos costumes e da camaradagem que impede a denúncia de crimes porque é chato, não se faz e é uma traição aos valores de Abril?
Sei que também sou algo cínico (e não vou soar nada à pessoa de esquerda que sou) mas, por vezes - neste 1 de Maio, por exemplo - dou por mim a perguntar-me donde vem tanto dinheiro para tanta bandeirinha, tanto planfleto, tanto autocarro fretado, tanta tendinha, tanta merdinha descartável, enfim, tanta propaganda tão repititiva. Penso que é uma dúvida legitima. Ou estarei a ser um traidor? Um filho-da-mãe que faz perguntas incómodas? Um delator? Um Pide?
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2 comentários:
Estou tão sintonizado com o conteúdo deste texto que acho que tive um orgasmo quando o li. Brilhante, especialmente no que toca a essa cáfila de bigodudos intocáveis conhecidos como defensores dos "direitos dos trabalhadores".
Confesso que isto de outros homens a terem orgasmos comigo é algo novo para mim e ainda fonte de algum desconforto. Mas, tudo bem, Pedro. Obrigado pela sintonia.
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