sexta-feira, julho 14

Vai levando

Acabo de descobrir finalmente as datas com que Chico Buarque ameaçava há umas semanas passar por Lisboa e tocar. Será em Novembro, no Coliseu.

Já tentei de tudo para que o Chico perdesse este estatuto de intocável que lhe entreguei, sempre sem sucesso. Entrevistas aborrecido, escrever livros, o afastamento da música desde As Cidades até agora, críticas negativas à altura do lançamento de cada disco (a Ópera do Malandro foi absolutamente massacrada nos anos 70). Nada consegui, até ver.

É de tal modo assim que a única via acabou por ser a escolha que aparentemente estamos obrigados a fazer entre Chico Buarque e Caetano Veloso. A minha acabava sempre por recair no primeiro, mas nunca era pelas razões certas. Ia sempre dar à exuberância mediática do Caetano, admitindo-a como algo de mau, da irritação que me causavam tantos discos ao vivo, tantas colectâneas, tanta exposição. É mais fácil agora olhar para o Chico e reconhecer a mesma orientação mas por um caminho quase oposto. A ausência, a distância entre gravações, o louvor pela timidez e medo do palco, a escolha cirúrgica de entrevistas (que são sempre iguais - escreve primeiro a letra ou a música?; o que acha hoje do Tanto Mar, olhando para Portugal?; a vida no Rio hoje é muito diferente daquela de há 40 anos?), os (muitos) dvd com gravações caseiras, intimas, rodeado dos verdadeiros amigos. E acabei por perdoar ao Caetano aquele que era a coluna da minha irritação.

A pequena guerra entre um e outro ao longo das suas carreiras (que não pode ter sido senão absolutamente genuína) provocou-me esta injustiça de uma inútil necessidade de escolha, de um és do Benfica ou do Sporting. Continuo a escolher o Chico Buarque, como escolhi sempre, porque trabalha o génio obsessivamente. Sente-se o apuro, a estafa, a dificuldade da criação de cada composição, mas todas elas estão impecavelmente terminadas. No Caetano sinto sempre tudo em aberto, numa facilidade de malandro insultuosa em fazer músicas, e diria que deve mesmo achar contraproducente trabalhar o génio. De tão próximos que estão só posso concluir como maior o génio displicente do Caetano Veloso, só que o Chico Buarque tem muito mais respeito ao seu. Um respeito quase medo.

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