segunda-feira, maio 29

Roland Garros

Tenho dois problemas que me impedem por vezes de assistir a eventos desportivos com clareza. Um é de ordem sentimental. Deixo-me envolver sentimentalmente com aspectos diversos. Não falo do óbvio clubismo, isso é simples de combater e eu até sou do Benfica. Mas, por exemplo, prefiro torneios de terra batida a qualquer outro e assisti a mais Roland Garros que a todos os outros torneios juntos pela simples razão de que foi o primeiro torneio de ténis que vi na vida. E vi, cá vem outra questão, quando joguei ténis pela primeira vez. Custa-me apreciar um jogo que não tenha jogado. Vejo as horas que me forem disponibilizadas de ténis, futebol, vólei, atletismo e mais um ou dois sem interrupções e tenho alguma dificuldade em assistir e saber o que dizer - sobretudo isto - sobre andebol, curling e basebol. Com pena, muita pena minha. Mas talvez não viesse mal ao mundo se quem nunca chutou uma bola não se pronunciasse publicamente sobre a dita. Só que, novamente, não desprezo quem sabe fazer uso de um completo raciocínio abstracto e não serei definitivo nesta matéria.

Com o tempo fui aprendendo a disfarçar os ditos sentimentalismos com truques simples, como sejam explicar da bondade da terra batida sobre os outros terrenos. Fui descobrindo que sendo mais lento e fazendo a bola subir sempre mais, ganha quem arrisca mais, ou melhor quem arrisca mais e falha menos, ou melhor quem é melhor tecnicamente. Mas se é assim, e eu estou convencido disto, como é que afirmo ao mesmo tempo que o Federer é o melhor jogador do mundo? Afirmo porque é óbvio (já volto a isto - razão de todo o post). Mas depois em terra... bom enfim, o exercício dá a volta e refugio-me de novo no sentimentalismo. Para mim terra batida é que é ténis porque sim, sem razão e às aranhas as contradições. E por sorte somos contemporâneos em estado adulto com o Federer.

Agora que o futebol estará em todas as bocas, e ainda bem, deixem-me arrojar a pretensão de um conselho. Se um gajo se cingir ao óbvio acerta quase sempre. Se é unânime que ninguém escreve de futebol como o maradona é porque ele escreve sempre a verdade mais óbvia que conseguir encontrar. O Ronaldinho é o melhor jogador do mundo, ponto final. O Barcelona a melhor equipa, ponto final. O Brasil a melhor selecção, ponto final. O Figo é muito bom, ponto e vírgula; mas o Zidane é melhor que o Figo, ponto final. Etc, e por aí fora e assim se vai criando um discurso fiável e que lhe dá margem para ser brilhante. O mais forte é o melhor, e o melhor que acontece ao desporto é que o melhor ganhe. Por vezes esquecemo-nos desta máxima do fair play e pomo-nos, como se o desporto ganhasse algo com perversões estatísticas, a torcer pelos fraquinhos e pelos pequeninos. Contra os poderosos! Cito o maradona outra vez. Onde é que nós estamos? Mas isto é uma peça de teatro? Um épico do George Lucas? Não, é competição, que serve para nenhuma outra coisa senão para ver quem é o melhor. Se descansarmos a mona nesta premissa rapidamente tiramos o melhor do sofá e da cerveja que acompanham um visionamento. E não se perde componente emotiva nenhuma, descansem. Um gajo pode ver a bola assim e ir às lágrimas na mesma.

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