quinta-feira, julho 28

A espinha dorsal deste blog chama-se Alcântara, não haja dúvidas!

Por duas vezes ontem, e uma hoje, comprei e comi uma barra de chocolate Regina de laranja. Estava ainda disponível a versão Morango, mas já não a Ananás. A sensação é difícil de descrever, sobretudo porque a embalagem não era como as que se viam em alguns, poucos, cafés em finais dos anos noventa. Claramente restos de stock. Não. Esta é uma embalagem nova, arejada (em termos de design claro, que em termos de conservação estava bastante bem fechada), com um laranja moderno bem ao estilo de um iogurte hip, contemporâneo, oportuno. A barra em si era de alguma qualidade, maciça, ainda que macia, e com um travo de laranja que se revelou agradável e que não permite aquela sensação pastosa que fica na boca após comer um chocolate maciço demasiadamente bom.

Da Regina tenho duas memórias. A primeira, tinha eu cerca de nove anos, após um jogo de futebol na Quinta do Paço, junto ao triângulo de que, confesso, lembro-me pouco. Estamos a falar de um fim de tarde de, para aí, 1987. Um dos elementos da minha equipa chama-me de parte, e exibe com soberba uma nota de vinte escudos, propondo-me que a gastássemos imediatamente. Dirigimo-nos então ao Grupo Musical e Recreativo de Tavarede, vulgo Grupo, ao que pedi um Regina de laranja. Se não me engano coisa para cinco escudos, talvez sete e quinhentos. Soube-me bastante bem o chocolate, dado que terá sido talvez a primeira vez em que me dirigi a um balcão de um estabelecimento sem o olhar cuidadoso dos meus pais a acompanhar a minha prestação, sorridentes com o sentido de independência do menino. Em resumo e conclusão, o gajo tinha gamado os vinte escudos à mãe, e nessa noite, por hora da novela aparece lá a tipa a explicar a história aos meus pais e a reclamar os seus cinco escudos, dívida que os meus pais pagaram depois de me olharem a pedir um sinal de confirmação daquela história.

Já em Alcântara, a memória Regina aviva-se sem apelo nem agravo. Ali numa transversal escadaria da Luís de Camões sentia-se, dominador, um odor que na altura eu descreveria como pré-mousse de chocolate. Isto é, aquele momento em que se atira a barra para um tacho a fim de derreter e mais tarde juntar aos restantes ingredientes. O cheiro era absolutamente omnipresente, mais ou menos da capela até cá abaixo e do jardim até ao local onde hoje se encontra aquele condomínio fechado que se vê da ponte. Amarelo. Ali se encontrava, falamos de 1994, a fábrica de chocolates Regina. (sobre a presença do cheiro as opiniões divergem em dois sentidos muito claros. Os que como eu sentiam alguma náusea dado que o cheiro sugeria sobretudo calor e matava a magia do chocolate logo ali, e os que fariam desvios para chegar a casa e ainda fumavam um cigarrinho sentados nas escadas a fim de desfrutar convenientemente o aroma). Devagarinho a barra Regina foi desaparecendo. Mais tarde, boca-a-boca, em Alcântara descobre-se que a fábrica encerrou, não se pensa mais nisso. Até agora! Que me deparo assim com o chocolate renovado e pronto a inundar novamente o mercado.

Ao investigar sobre a Regina pouco se descobre. Pelo menos na net que ainda não tive tempo de passar pela Hemeroteca. Descobri que 1998 foi um ponto de viragem. O ano da grande luta. Começa por aparecer uma convocatória da CGTP, marcada para 18 de Dezembro de 1998, com concentração no Terreiro do Paço a fim de "exigir soluções para a viabilização da empresa". Apenas cinco dias depois, o Jornal do Avante anuncia o escândalo: existe contrafacção interna de chocolates Regina! E a fábrica de Alcântara encerrada sem que os trabalhadores vejam os seus direitos assegurados. É praticamente um caso de lock out. O Avante revela-nos ainda que em 1996 a empresa facturou cerca de um milhão e meio de contos, mas nada pagou ao fisco e à segurança social. Eram os primeiros sinais da derrocada que viria mais tarde a atingir Alcântara com estrondo.

Entre esse momento e o actual regresso da Regina (ou dos chocolates, pelo menos) nada mais sei. Muito haverá a contar não duvido, mas para já, congratulo-me pelo regresso da barra Regina com aroma de laranja. É correr aos cafés meus caros. A distribuição tem sido eficiente e os ditos chocolates estão em toda a parte.

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