Há, a propósito do filme de Gus Van Sant - Last Days - de que gostei sem reservas, uma questão que é comum na apreciação crítica à música. Não só, longe disso, mas por agora só à música: a necessidade de conhecer motivações, ambientes, personalidade, adolescência, traumas do artista. Dado o resultado final, que é o que nos desperta a curiosidade, há realmente a necessidade de escalpelizar as chatices pessoais do homem que criou o produto? Aparentemente, para o Gus Van Sant não houve essa necessidade. A neutralidade na apreciação daquele Kurt Cobain foi o que me fez gostar do filme, mas penso que terá sido igualmente o que fez outras pessoas não o apreciar de todo. Não pode ser apenas uma questão de planos longos ou ritmo lento. Quase parado, pronto, mas imagino que uma moca de cavalo não seja uma corrida de galgos.
No entanto, preparo-me para fazer o contrário, não em relação a uma pessoa mas a um movimento. Colocando a música popular negra, feita para fora, com o seu início no final da guerra da secessão, penso que esta só pode existir porque a população branca a quer ouvir e, de certo modo, a promove. De outro modo teria morrido à partida. Pode levar-se a sequência de acasos mais atrás. Se não se praticasse já a escravatura entre tribos do Golfo da Guiné, não teria sido este o local de onde saiu a maior parte dos negros para os EUA. E não teria sido aquela música específica a transportada para os campos de trabalho. Como é evidente estamos a falar de grau zero de mérito. São apenas circunstâncias, mas é uma misturada indispensável para chegarmos onde chegámos.
Como fazer então sobreviver a música original africana senão adaptando-a aos ouvidos europeus, ainda que com manha? Se só existem marchas e valsas, então é a partir daqui que se tratará de incluir elementos rítmicos atípicos na espartilhada concepção de tempo europeia. Concepção que, na verdade não foge muito do Um, Dois, Esquerdo, Direito das marchas (tempo forte no um e três) e no Um, Dois, Três, Um, Dois, Três da valsa. No século XIX todos os compositores na Europa compunham neste compasso de três tempos.
Por uma complicada evolução nascem dois novos estilos nos últimos anos de 1800. Um para fora e outro para dentro, como um amigo me fez notar há pouco. O Ragtime que traz para as marchas os ditos conceitos rítmicos do Golfo da Guiné, será em breve o estilo mais tocado e ouvido em todo o território americano. O Blues parte de músicas de trabalho, espirituais e de prisões, todas elas cantadas apenas, e traz os ditos elementos rítmicos bem como uma improvisação quase permanente. Traz ainda essa invenção inexplicável que é a blue note (ninguém sério poderá pensar que eram tocadas/cantadas desafinadas por falta de conhecimento das escalas europeias ou por dureza de ouvido). Há mais numa blue note.
De uma fusão inevitável entre estes dois sim, nascerá o jazz. Mas o ragtime e o blues não se esgotam num parágrafo.
No entanto, preparo-me para fazer o contrário, não em relação a uma pessoa mas a um movimento. Colocando a música popular negra, feita para fora, com o seu início no final da guerra da secessão, penso que esta só pode existir porque a população branca a quer ouvir e, de certo modo, a promove. De outro modo teria morrido à partida. Pode levar-se a sequência de acasos mais atrás. Se não se praticasse já a escravatura entre tribos do Golfo da Guiné, não teria sido este o local de onde saiu a maior parte dos negros para os EUA. E não teria sido aquela música específica a transportada para os campos de trabalho. Como é evidente estamos a falar de grau zero de mérito. São apenas circunstâncias, mas é uma misturada indispensável para chegarmos onde chegámos.
Como fazer então sobreviver a música original africana senão adaptando-a aos ouvidos europeus, ainda que com manha? Se só existem marchas e valsas, então é a partir daqui que se tratará de incluir elementos rítmicos atípicos na espartilhada concepção de tempo europeia. Concepção que, na verdade não foge muito do Um, Dois, Esquerdo, Direito das marchas (tempo forte no um e três) e no Um, Dois, Três, Um, Dois, Três da valsa. No século XIX todos os compositores na Europa compunham neste compasso de três tempos.
Por uma complicada evolução nascem dois novos estilos nos últimos anos de 1800. Um para fora e outro para dentro, como um amigo me fez notar há pouco. O Ragtime que traz para as marchas os ditos conceitos rítmicos do Golfo da Guiné, será em breve o estilo mais tocado e ouvido em todo o território americano. O Blues parte de músicas de trabalho, espirituais e de prisões, todas elas cantadas apenas, e traz os ditos elementos rítmicos bem como uma improvisação quase permanente. Traz ainda essa invenção inexplicável que é a blue note (ninguém sério poderá pensar que eram tocadas/cantadas desafinadas por falta de conhecimento das escalas europeias ou por dureza de ouvido). Há mais numa blue note.
De uma fusão inevitável entre estes dois sim, nascerá o jazz. Mas o ragtime e o blues não se esgotam num parágrafo.
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