Há cerca de quinze anos atrás, surgiu no pequeno écran da Rádio Televisão Portuguesa uma série que, mais do que de culto, se tornou mítica: Twin Peaks, criada pelo não menos de culto e mítico David Lynch. Aparentemente uma série dramática/mistério/investigação policial, essa fina capa banal cedo se rompeu, e com ela a ideia que tínhamos da televisão: uma forma de entretenimento relativamente simples, em que as séries iam e vinham, chegavam e eram substituídas por produtos de valor mais ou menos idêntico. Hoje em dia, aliás, com o afastamento emocional, e sobretudo com a repetição de algumas dessas séries em canais da TV-Cabo, podemos facilmente chegar à conclusão que eram realmente más: McGyver, O Barco do Amor, Galactica. Outras não precisam ser revisitadas para que nos lembremos da sua paupérrima qualidade: O Justiceiro, Os Soldados da Fortuna, Espaço 1999.
Ora Twin Peaks veio abalar, de certa forma, a maneira como muitos de nós olhávamos para o écran e, porque não, para a vida: sob o manto da pergunta "Quem matou Laura Palmer" viemos a descobrir que um mistério aparentemente primordial pode ser ofuscado por uma grande quantidade de outros mistérios, e qua a bizarria pode ser mais a norma do que a excepção. Aprendemos que nem tudo o que parece é, e que o Bem e o Mal podem aparecer das mais variadas formas e até, frequentemente, confundir-se. Tudo condensado dentro de duas temporadas que terminaram, infelizmente, de forma abrupta. Pelo menos lá para o meio acaba por se descobrir quem foi o tal assassino, mas nessa altura já não era realmente isso que interessava.
Infelizmente, estas pedradas no charco costumam ser bastante espaçadas, e a originalidade é extremamente difícil de atingir, sobretudo numa época em que, como todos sabemos, "já tudo foi feito".
Ou não. Isto porque, apesar do panorama não tão desolador de há quinze anos atrás, visto que o aumento da escolha e o desenvolvimento da tecnologia permitem-nos neste momento aceder a produtos televisivos que têm qualidade em qualquer estilo que se deseje: comédia, drama, mistério, fantástico, etc. Porém, nunca mais nenhuma conseguiu reunir os elementos de originalidade, criatividade e excentricidade que tanto me fascinaram em Twin Peaks.
Até há pouco. Acabei esta semana de ver a primeira temporada de Lost. E há não sei quantos anos, provavelmente quinze, que não ficava tão sedento de uma continuação. Isto porque, tal como em Twin Peaks, os criadores de Lost partiram de uma situação aparentemente banal - um avião que se despenha numa ilha deserta deixando 48 sobreviventes (não que seja uma situação banal no nosso quotidiano, mas sim no nosso imaginário e no mundo da TV). Aparentemente, a acção centra-se no quotidiano desses sobreviventes enquanto aguardam socorro, mas lentamente vai-se descobrindo que talvez não estejam à sua procura, bem como que pode não ter sido por acidente que aí foram parar. Nada nem ninguém é aquilo que, à primeira (ou à segunda, terceira e por aí fora) vista parece. Bem e Mal frequentemente entrelaçados e a confundir-se. Passados tenebrosos que se revelam. Estranhas ligações que se desenvolvem. E um sem fim de bizarria oriundo da ilha perdida. Mesmo o nome da série parece ter mais significados. Tudo isto muitíssimo bem escrito, imaginado e interpretado. A originalidade de cada indivíduo ter direito a um episódio em que fragmentos do seu passado são desvendados. O perfeito desenvolvimento das personagens, que de aparentes estereótipos se vão, lentamente, tornando pessoas de carne e osso. Tudo isto misturado com o adensar de cada vez mais mistérios que a ilha guarda, com o mínimo possível de explicações dadas ao espectadores, deixando-os a tentar adivinhar afinal que raio é que se passa ali - e muitas teorias correm no mundo da net. Deixando-nos absolutamente sedentos por mais. Infelizmente, só lá para Setembro. Com sorte. Vamos a ver se os criadores conseguem superar as nossas expectativas.
A melhor série desde o Twin Peaks, definitivamente.
sábado, julho 16
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