Todo o tipo de reacções houve relativamente à morte de Álvaro Cunhal, mas duas em particular me chamaram a atenção:
A primeira, e mais habitual nestas ocasiões, foi a súbita glorificação do falecido, sobretudo por parte de quem vagamente sabia de quem se tratava, se estava profundamente marimbando para ele ou, mais curioso, de quem não o curtia nem um bocadinho. Grande homem, grande patriota, grande defensor da Liberdade, profundamente coerente, enfim, o maior. Enfim, death makes angels of us all.
No entanto, a menos habitual começou a propagar-se pouco tempo após a sua morte, nomeadamente depois das declarações de Mário Soares. Essa reacção, palavra tão do agrado de Cunhal, é a de que ele foi um homem perigoso, que quis implantar uma ditadura em Portugal, que pôs o país à beira da guerra civil, que não passou de um reles estalinista.
Ora isto é extremamente redutor - para não dizer falacioso e demagógico. Pôr em causa as acções de um homem, inegáveis até para os seus detractores, como foi o combate à ditadura, por causa daquilo que podia ter acontecido é reles, baixo, indigno, infame.
Não discuto aqui os méritos (ou a sua falta) da ditadura do proletariado - embora queira lembrar que TODOS os programas políticos dessa altura (exceptuando o do CDS) mencionavam a procura do socialismo, e que apenas recentemente esse desígnio desapareceu da nossa Constituição - ou os horrores do pseudo-comunismo vigente na União Soviética - embora queira lembrar que, durante os anos 50 do estalinismo o Grande Paladino da Democracia tinha uma política segregacionista que, na prática, significava o apartheid com uma máscara mais simpática - mas há uma evidência que se impõe: De modo algum factos podem ser suplantados por especulações. O Homem que Cunhal foi não pode ser menos importante do que o ditador que "podia ter sido". Tal não passa de anti-comunismo primário sob a pele de democracia. Ainda por cima vindo dos que controlam a actual ditadura financeira.
Tenho para mim que Cunhal morreu de desgosto. Por ver os tenebrosos capatazes de outrora novamente com as rédeas do país. Juntamente com os sinistros colaboracionistas que ajudam a manter o povo, o novo proletariado, de cabeça baixa. A calar a boca para poder manter um trabalho no qual somos explorados. Obrigados a prestar culto à preciosa "democracia" que nos dá a "liberdade" de escolher o nosso carrasco. De entre aqueles que nos são apresentados, obviamente.
31 anos após o 25 de Abril a ditadura está de volta. Com outros contornos e sem uma figura paterna que a simbolize, para que não nos possamos unir contra ela. Mas uma ditadura, ainda assim. E não menos castradora.
quarta-feira, junho 15
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