quarta-feira, março 16

Um Peixe Fora de Água



Nunca entendi o que se passa na cabeça das pessoas responsáveis pela tradução dos títulos de filmes. Ninguém chama "O Pequeno Monstro" ao Gremlins. Elephant poderia muito bem ser traduzido literalmente. Há casos, muito raros, em que o título traduzido consegue cometer o sacrilégio de ser superior ao original, como As Asas do Desejo. Há alturas em que os tradutores parecem ter enlouquecido - A Vida, o Amor e as Vacas. E por vezes parecem não ter sequer visto os filmes antes de lhe alterarem por completo o nome. É o caso de Um Peixe Fora de Água.

Originalmente chamado The Life Aquatic With Steve Zissou, esta é a quarta longa-metragem de um jovem realizador, Wes Anderson que, após as excelentes críticas ao seu anterior Os Tenebaums, teve direito a imensa especulação em relação a esta obra que amanhã estreia nos cinemas portugueses. Com um elenco alargado e repleto de protagonistas de culto, tal como aliás no seu filme anterior, Um Peixe Fora de Água surpreendeu quase toda a gente. Isto porque não é, de forma alguma, um filme convencional.

Wes Anderson pegou num Bill Murray recentemente redescoberto e elevado à condição de grande actor e criou uma personagem que, à primeira vista, parece decalcada do mítico Jacques Cousteau, não faltando sequer o barrete. Mas, tal como acontece no resto do filme, aquilo que nos parece ao princípio familiar é subvertido sem piedade, a personagem principal, o tal Steve Zissou, não passa de uma fraude. É um oceanógrafo que não conhece nada do que é suposto: os mares onde navega, as espécies de animais que estuda, as pessoas com quem trabalha, o próprio filho (que poderá ou não sê-lo). E esta subversão da realidade não acontece apenas com a personagem principal: tudo o que o rodeia, incluindo os animais, não são aquilo que parecem. É como se todo um universo alternativo nos fosse apresentado, em que tudo tem vagas semelhanças com aquilo que conhecemos mas que no fundo nos é estranho.

É isso, aliás, o que se passa com o filme no seu todo. Anderson mostra ao espectador situações típicas de cinema, mas quando menos o esperamos, subverte-as. Obriga-nos a questionar aquilo que se passa no écran, sem cair na tentação de tornar o filme demasiado críptico. Apresenta-nos uma história relativamente simples, e no entanto não explica tudo o que vai acontecendo. É um filme extremamente paradoxal, que consegue balançar entre extremos e mesmo assim manter o equilíbrio. Não é comédia nem drama no sentido estrito desses termos, mas consegue transportar-nos facilmente de um género para o outro, sem cair nas palhaçadas ou pieguices que habitualmente afligem esses géneros. Não é, portanto, um filme fácil.

Mas é um filme bom, sem dúvida. Não excepcional, mas pelo menos bom, o que já não é mau, sobretudo nos tempos que correm. E tenho um pressentimento que ficará melhor com o tempo. Mas aí, só este o dirá.

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